Hospitais públicos de referência em SP, Emílio Ribas e Mandaqui perdem leitos por reformas não concluídas

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UTI do Instituto Emílio Ribas chegou a 100% de ocupação nesta quarta e governo prometeu 20 novos leitos. Hospital teria 130 a mais se uma reforma iniciada em 2014 tivesse sido concluída. Atraso nas obras do Emílio Ribas é alvo de um processo no TCE e de um inquérito no MP.

Dois grandes hospitais públicos de São Paulo, o Emílio Ribas, na Zona Oeste, e o Mandaqui, na Zona Norte, passam por reformas que comprometem parte de seus leitos em meio à crise do novo coronavírus. Pelo menos 150 leitos – 20 no Mandaqui e 130 no Emílio Ribas – poderiam estar funcionando caso as obras estivessem finalizadas nas duas unidades.

No Emílio Ribas, que é considerado a maior referência em infectologia na América Latina, a obra começou em 2014 e deveria ter sido concluída em 2016. No Conjunto Hospitalar do Mandaqui, o maior da Zona Norte, a reforma teve início em novembro do ano passado, com previsão de entrega para este mês, mas vai sofrer atrasos.

Em nota, a Secretaria Estadual da Saúde afirma que as obras do Emílio Ribas “estão sendo agilizadas” e que já triplicou a capacidade de UTIs da unidade. Sobre o Mandaqui, a pasta diz que “as obras estão em andamento e ocorrendo dentro do prazo previsto, com funcionamento previsto para maio” (veja a nota na íntegra abaixo).

A UTI do Emílio Ribas chegou a 100% de ocupação nesta quarta-feira (15) e o governo estadual prometeu inaugurar 20 novos leitos na unidade em até duas semanas. No entanto, com a reforma concluída, o local teria 250 leitos. Hoje, ele funciona com capacidade de 100 a 120 leitos, segundo funcionários. O atraso na obra resultou em um pedido de investigação acolhido pelo Tribunal de Contas do estado (TCE) e em um inquérito aberto pelo Ministério Público de São Paulo (MP-SP) em fevereiro deste ano.

Já o Conjunto Hospitalar do Mandaqui perdeu boa parte de seu pronto-socorro por conta da reforma: apenas pacientes levados por ambulâncias são atendidos nele. A promessa era criar 20 novos leitos de observação no PS ao fim da obra.

A UTI do complexo registrou 76% de ocupação nesta terça (14). Dois dos 13 profissionais de saúde municipais que morreram de Covid-19 na capital eram funcionários do Mandaqui, segundo o Sindicato dos Servidores Municipais de São Paulo (Sindsep).

Emílio Ribas ‘pela metade’

Com as obras que tiveram início em 2014, o Emílio Ribas “funciona pela metade”, segundo Eder Gatti, presidente do Sindicato dos Médicos de São Paulo (Simesp) e médico no hospital.

“A gente tinha de 150 a 200 leitos antes da obra no Emílio Ribas. Quando ele foi pra obra, a projeção era ficar com 250 leitos ao todo. Hoje, ele tem mais ou menos de 100 a 120 leitos. Isso incluindo UTI e enfermaria. Então o hospital hoje tem menos capacidade do que tinha antes da obra”, explica Gatti.

A reforma atual já dura mais de cinco anos e consumiu pelo menos R$ 160 milhões de reais. Em junho do ano passado, a previsão de gasto era de mais R$ 40 milhões até o término da renovação.

A obra teve início quando o atual coordenador do centro de contingência contra Covid-19 , David Uip, era secretário estadual da Saúde. Ele ocupou o cargo de 2013 a abril de 2018. Antes, Uip foi diretor do Instituto de Infectologia Emílio Ribas.

Gatti acredita que a promessa feita por Uip, de inaugurar 20 novos leitos na unidade em até duas semanas, deve ser cumprida. Mas destaca que ainda há andares do hospital que funcionam pela metade e outros completamente fechados.

“O 4º andar está fechado, eram leitos de internação, o térreo está fechado, o 8º andar está fechado pela metade, e o 7º andar, onde funcionaria o hospital-dia, e que poderia ser adaptado para ter leito de internação, está fechado também”, afirma Gatti.

As condições do Emílio Ribas são alvo de denúncias de médicos e funcionários há anos. Em 2019, servidores se manifestaram em frente ao hospital pedindo que fossem concluídas as reformas em andamento.

No início da pandemia de coronavírus, equipes do hospital colaram cartazes nos corredores reclamando da falta de equipamentos, especialmente máscaras e álcool gel.

Para Eder Gatti, do Simesp, os problemas de falta de equipamentos do Emílio Ribas são pontuais, e a reforma que se arrasta há anos traz prejuízos maiores ao atendimento.

“Foi uma situação provisória, no geral ele tem EPIs, tem bons médicos. O que funciona no Emílio Ribas, funciona bem, mas hoje o que funciona está restrito por conta da obra”, afirma Gatti.

A criação de hospitais de campanha é alvo de críticas de médicos do Emílio Ribas, que afirmam ser mais adequado aumentar o número de leitos em unidades que já existem e que são especializadas no controle de epidemias.

Segundo Jaques Sztajnbok, médico supervisor da UTI do Hospital Emílio Ribas, os leitos dos hospitais de campanha não são equipados para receber pacientes graves do novo coronavírus. Apesar disso, no último domingo (12), um homem de 36 anos com doença de Chagas morreu no Hospital de Campanha do Pacaembu. A doença de Chagas, em sua fase crônica, causa problemas cardíacos, como arritmia e e insuficiência cardíaca, comorbidades que são consideradas fator de risco para Covid-19.

“Enquanto o estado está abrindo leito provisório no Anhembi, o Emílio Ribas tem leitos que poderiam ser usados para receber pacientes em uma obra que já deveria ter acabado. O hospital de campanha vai ajudar só no momento de colapso, ele é todo provisório”, afirma Gatti.

“O Emílio Ribas tem uma particularidade para lidar com paciente de isolamento porque tanto médicos quanto a equipe de enfermagem já são muito capacitados para isso. A gente já era especialista em epidemias antes mesmo do coronavírus”, explica o presidente do Simesp.

Obra investigada

O atraso nas obras do Emílio Ribas é alvo de um processo no Tribunal de Contas do estado (TCE) e de um inquérito no Ministério Público (MP-SP).

O MP pediu explicações à direção do Emílio Ribas, que disse em ofício que “desconhece as especificidades da gestão da obra, não possuindo conhecimento técnico sobre o tema nem figurando como contratante ou como gestor da reforma”. O procurador Arthur Pinto Filho deu prazo de seis meses para a conclusão das investigações.

Já o processo que tramita no TCE desde agosto do ano passado é focado no contrato assinado em 29 de maio de 2014 entre a Secretaria de Estado da Saúde e o Consórcio ER-Saúde para a realização da reforma do hospital. O consórcio investigado é constituído pelas empresas Engeform Construções e Comércio Ltda. e Construbase Engenharia Ltda. Em nota, o TCE afirma que a denúncia está sob análise dos órgãos técnicos da casa. “Não há decisão final neste momento, o processo ainda está em andamento”, diz o TCE.

As reclamações de associações de médicos e de funcionários do hospital, em junho do ano passado, viraram tema de audiência pública na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. Na ocasião, os médicos e funcionários do Instituto colheram mais de 227 mil assinaturas em um abaixo-assinado em defesa do hospital.

Após a audiência, o deputado Carlos Giannazi encaminhou, em julho, as denúncias dos profissionais ao Tribunal de Contas e ao Ministério Público do Estado. No ofício, Giannazi pede que os órgãos investiguem “obras realizadas no prédio do Instituto de Infectologia Emílio Ribas, com vistas ao levantamento dos custos já pagos e das razões da demora na conclusão dos trabalhos”.

Falta de máscaras e PS fechado

Em novembro, quando começou a obra no Hospital do Mandaqui, localizado em um enorme complexo hospitalar, a promessa era que o novo pronto-socorro estaria pronto em seis meses. O prazo se esgota neste mês e o setor continua em obras. A obra deveria entregar 20 leitos de observação no PS.

O Conjunto Hospitalar do Mandaqui é considerado referência no tratamento de doenças infecciosas: ele foi fundado em 1938 para receber pacientes de tuberculose. Na área externa do conjunto funciona hoje um dos cinco centros de triagem de coronavírus da capital, destinados a pacientes leves.

Apesar da tradição, no maior hospital da Zona Norte predomina um clima de receio: nenhum dos funcionários do complexo entrevistados pela reportagem aceitou se identificar por medo de represálias.

Um representante do Sindicato dos Trabalhadores da Saúde no Estado de São Paulo (SindSaúde-SP) que trabalha no Mandaqui há mais de 30 anos afirma que a ausência destes 20 leitos faz falta no atendimento a pacientes de Covid-19 que aguardam vagas no setor de internações.

“Eram seis meses de obra, mas já avisaram que vai atrasar, não tem mais prazo. Se for ver, ainda tem muita coisa pra fazer”, conta.

“Essa quantidade de leitos lá faz muita falta. Apesar de estarem fazendo uma triagem do lado de fora, isso não substitui o pronto-socorro, porque não tem equipamento suficiente nessa triagem. No PS, ele teria um respirador pra aguardar a vaga, por exemplo. Não ter isso prejudica muito o usuário”, avalia o funcionário.

Um médico plantonista do hospital, que também não quis se identificar, confirma a denúncia.

“Esses 20 leitos com certeza fazem muita falta. O Mandaqui sempre foi hospital de referência. Se vc tira leitos do número que já é insuficiente automaticamente a sobrecarga no sistema é maior. Isso inviabiliza muitas vezes a transferência de pacientes mais graves para o Mandaqui”, afirma o médico.

Dois dos 13 profissionais de saúde municipais que morreram de Covid-19 na capital eram funcionários do Mandaqui, segundo o Sindicato dos Servidores Municipais de São Paulo (Sindsep). Trata-se de uma enfermeira, que trabalhava também no Hospital Municipal de Pirituba, e um técnico de enfermagem. Outros 11 colaboradores estão em casa, de quarentena, aguardando a confirmação da doença.

Para colegas dos funcionários mortos, a ausência de vestiário na unidade pode fazer com que os funcionários levem o vírus do hospital para outros locais da cidade.

“Nós temos um problema grave lá que é a ausência de vestiário. Tem só pros funcionários de uma empresa terceirizada. Os funcionários diretos, quando saem, eles não tomam banho, então eles podem levar o vírus para casa, para o ônibus, porque voltam com a mesma roupa que trabalharam o dia inteiro.”

A falta de equipamentos de proteção individual também é uma reclamação constante. Funcionários revelam que a situação só melhorou há cerca de uma semana, quando chegaram novos carregamentos de máscaras e aventais.

Recepcionistas do complexo, que são contratados por meio de uma empresa terceirizada, revelaram ao G1 que foram proibidos de usar máscaras “para não assustar os pacientes.”

“Tentei falar na vigilância epidemiológica daqui do hospital sobre proteção e a responsável foi super grossa, falou que era frescura e que queríamos aparecer”, conta uma funcionária que não quer se identificar.

Veja a íntegra da nota da Secretaria Estadual da Saúde:

Não procede a informação de que funcionários terceirizados teriam sido indicados a não usar máscaras. O Conjunto Hospitalar do Mandaqui segue os protocolos de segurança para profissionais de saúde e pacientes, assistindo qualquer pessoa que necessite de atendimento.

Todo manejo e atendimento é feito com uso de EPIs. Seguindo este protocolo, qualquer colaborador com suspeita de COVID-19 é afastado para proteção da sua saúde e das demais pessoas que frequentam a unidade, além da recuperação do próprio profissional, indispensável para a assistência à população.

As obras no Mandaqui estão em andamento e ocorrendo dentro do prazo previsto, com funcionamento previsto para maio.

Nesse mesmo sentido, as obras de reforma e ampliação do Instituto de Infectologia Emílio Ribas estão sendo agilizadas. A primeira etapa da reforma, que inclui novos 30 leitos de UTI já foi entregue, e outros 20 do tipo serão ativados ainda neste mês. Antes da reforma, o hospital tinha 17 leitos do tipo, triplicando a disponibilidade instalar. Além disso, há 76 leitos de enfermaria, destinados exclusivamente à COVID-19.

A prioridade da Secretaria de Estado da Saúde é garantir segurança e atendimento aos pacientes do SUS que utilizam os serviços estaduais de saúde, incluindo pessoas com COVID-19.

Qualquer implantação de serviço assistencial em unidade já existente requer projeto de reforma e obra civil. Como intervenções deste porte demandam meses, não são condizentes com a necessidade de ativação de serviços em caráter emergencial necessários ao contexto da pandemia do novo coronavírus. Assim, há como opção a implantação de hospitais de campanha adequados para assistência, com maior agilidade para execução e ativação. Exemplo disso é a implantação de uma unidade desse tipo no Complexo Esportivo do Ibirapuera, que já têm 80% de conclusão das obras e previsão de funcionamento a partir de maio.

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