‘Marmitarias S/A’ lucram em SP esquentando refeições de quem leva comida de casa ao trabalho
Espalhadas por São Paulo, as ‘marmitarias’ funcionam até em banca de jornal e cobram de R$ 1 a R$ 2,50 para aquecer no microondas as refeições trazidas de casa pelos clientes. Consumidores elogiam serviço e destacam economia e praticidade.
Diante da crise econômica, os paulistanos estão comendo menos fora de casa. Se no ano passado cerca de 68% dos moradores da cidade de São Paulo mantinha o hábito de comer em restaurantes, o número caiu para 62% da população em 2019, segundo dados da consultoria Kantar Brasil.
Por conta da mudança no comportamento do público, diversos microempresários decidiram se adaptar para acolher os trabalhadores que trazem comida de casa na hora do almoço. São lanchonetes, restaurantes e até bancas de jornal que agora se dedicam majoritariamente a armazenar e esquentar marmitas no microondas.
“O mercado de consumo em massa encontra-se em estado de estagnação. Mais de 50% dos consumidores brasileiros estão endividados, especialmente os de renda mais baixa. Isso faz com que o consumidor priorize seus gastos e cada vez mais racionalize o consumo”, avalia Giovanna Fischer, diretora da Kantar. “Nesse cenário, o consumo fora de casa acaba mais prejudicado, apresentando uma queda de frequência superior à queda do resto do mercado.”
Os clientes, movidos pelo desejo de economizar, mas também em busca de uma alimentação mais saudável, pagam de R$ 1 a R$ 2,50 pelos serviços das “marmitarias” espalhadas pela cidade.
“É sempre bom comer aquela comida com gosto de mãe e é uma economia muito grande, eu pago R$ 1 para esquentar a comida mas, se fosse almoçar fora, gastar ia em média de R$ 15 a R$ 20”, diz Pedro Henrique Almeida, cliente de uma “marmitaria” no Centro de São Paulo.
Conheça as histórias de quem lucra esquentando marmitas e de quem aprova o serviço desses locais:
Banca de jornal multiuso
O supervisor Pedro Henrique Almeida, de 20 anos, traz marmita para o trabalho pelo menos três vezes por semana. Como o escritório onde trabalha, na região do Vale do Anhangabaú, não tem copa, ele recorre aos serviços de uma banca de jornal que cobra R$ 1 para aquecer as refeições.
“Eu deixo a marmita aqui de manhã, quando chego, e aviso a hora que eu venho buscar. Quando chego, ela já está quentinha”, diz Almeida. “Às vezes, eu peço para agendar minha marmita para meio-dia, mas, aí, na loucura do trabalho, fico ocupado e não consigo descer na hora. Se eles percebem que eu não desci na hora combinada, já esquentam de novo e, quando eu chego, está tudo prontinho.”
Os proprietários da banca de jornal onde Almeida esquenta o almoço dizem que o negócio está na família há 13 anos, mas, recentemente, não conseguem ter lucro apenas com a venda de revistas e jornais. Com medo de sanções da Prefeitura de São Paulo, que regulamenta os usos das bancas de jornal da cidade, eles pedem para não serem identificados.
O espaço agora é dominado pela venda de outros itens e serviços: salgados em uma estufa, bebidas na geladeira, balas e chicletes no balcão. Em um canto, dois microondas e algumas prateleiras que guardam as marmitas trazidas pelos clientes.
“Todo mundo da empresa recomenda a banca, a rapaziada é bastante companheira”, diz Almeida.
Economia para o casamento
Também na região central, o restaurante de Maria Aparecida Ferreira abandonou a venda de refeições nos últimos anos. Agora, há bebidas, salgadinhos e sobremesas à venda, mas o forte é mesmo o serviço de aquecer marmitas. Hoje já são 14 microondas dedicados à atividade na lanchonete escondida dentro de uma galeria comercial na Rua 24 de Maio.
“Começou através de uma moça que trabalha aqui perto e que ia se casar. Para economizar dinheiro para a festa, ela pediu para esquentar as marmitas que trazia de casa aqui, e eu deixei”, diz Dona Cida, como é conhecida a proprietária.
A partir daí, o boca a boca se encarregou da propaganda. Colegas da noiva econômica começaram a aparecer e o lugar passou a ficar conhecido como Marmita da Dona Cida.
Quem chega deixa o pote com sua marmita no balcão, pega uma comanda e se acomoda em uma das mesas de plástico espalhadas pelo salão e pelos corredores da galeria. Quando a marmita está quente, garçonetes trazem o recipiente à mesa. O serviço custa R$ 2,50 e inclui o uso de talheres, guardanapos e temperos, que ficam à disposição dos clientes.
“A gente começou nesse negócio mais para ajudar as pessoas, porque a comida na rua é muito cara e as famílias têm que economizar para manter as contas em dia”, explica. “Foi uma coisa que juntou o útil e o agradável, para a gente e para os clientes, que conseguem gastar menos.”
Funcionária de uma empresa de contabilidade dos arredores, Juliana Martinez, de 21 anos, foi convencida a frequentar a “marmitaria” depois que amigas do trabalho lhe contaram sobre a economia mensal.
“Nosso vale-refeição é o bastante para almoçar aqui no Centro, mas a gente prefere usar depois, no final de semana, para sair à noite, comer em um rodízio japonês”, diz Martinez.
Também contadora, Cibele da Hora, 28, reconhece que sua principal motivação para “marmitar” é a economia.
“É mentira se eu falar que trago comida porque é mais saudável. É pelo dinheiro mesmo, porque a gente economiza aqui e depois gasta tudo em doce. No fim, nem tá economizando tanto assim”, reconhece.
Daiane Alves, de 28 anos, conta que a empresa onde trabalha oferece vale-refeição e uma pequena copa, mas o espaço não é o suficiente para todos os funcionários.
“Onde eu trabalho até tem cozinha, mas ela é muito pequena, então não dá para esquentar lá. Como eles dão VR, não podemos reclamar muito, e a opção que eles dão é a gente comer fora”, diz a contadora. “Mas, porque é mais barato, eu trago marmita, pago R$ 2,50 para esquentar e guardo meu VR.”
Segundo Dona Cida, o movimento aumentou nos últimos anos, com o agravamento da crise econômica, mas as despesas de cada cliente caíram.
“Vem mais gente, mas o pessoal está economizando bem mais porque está muito difícil. As empresas estão cortando muitos benefícios. E, com o passar dos anos, nossas despesas fixas também aumentaram”, diz.
Expansão a base de marmitas
A onda também chegou ao Brooklin, na Zona Sul da capital, onde um espaço dedicado às marmitas recebe de 150 a 200 clientes por dia.
O negócio surgiu como uma bombonière mas, em poucos meses, a proprietária, Alessandra Oliveira, resolveu mudar de ramo e o lugar ganhou até um novo nome: Espaço Esquentadinha.
“Uma vez um cliente pediu pra esquentar a marmita aqui. Eu deixei, mas ele disse que queria esquentar todo dia junto com mais três amigos. Eu não tinha muito espaço, tinha só uma mesinha, e ele topou ainda assim”, conta Oliveira.
“Eu achava que as pessoas não iam se interessar, mas eu via mesmo muita gente comendo nas praças aqui da região ou dentro dos carros estacionados. Hoje, o pessoal que frequenta aqui me conta que comia até na escada de emergência dos prédios”, diz.
Quando Oliveira percebeu que dava para ganhar mais dinheiro esquentando marmitas, começou a investir no negócio: comprou novos microondas, aumentou a quantidade de mesas e retirou as prateleiras onde expunha as guloseimas à venda.
“Assim começou, vieram mais oito amigos, depois mais três meninas, e aos poucos foi crescendo o movimento. Eu resolvi tirar as gôndolas e colocar mais mesinhas. Hoje a gente já atende por volta de 200 pessoas por dia e sempre tem fila na porta”, diz Alessandra Oliveira, do Espaço Esquentadinha.
Nos últimos meses, uma nova reforma expandiu ainda mais o salão. A expectativa é que o espaço abrigue agora até 500 clientes por dia.
O Espaço Esquentadinha cobra R$ 0,50 para armazenar as marmitas na geladeira e R$ 2 pelo uso dos microondas. Parece pouco, mas Oliveira garante que é o suficiente para manter o negócio.
“Dá para ganhar dinheiro pela quantidade que a gente atende. Dois reais por pessoa é pouco mas com 200 pessoas por dia, dá, mesmo com os nossos custos fixos. Óbvio que a parte de venda de bebidas e docinhos também ajuda, dá uns 40% do nosso lucro”, explica.
A clientela elogia o serviço, mas reclama da falta de copa e cozinha nos prédios comerciais da Berrini.
“Eu acho que aqui na Berrini os prédios são mais precários nisso porque são elitizados. Quando eu trabalhava na Faria Lima, todo lugar tinha copa, uma por prédio, então todo mundo de todas as empresas compartilhava. Aqui eu acho que tem um preconceito das empresas”, diz a advogada Laura Nunes, de 24 anos, que frequenta o Espaço Esquentadinha pelo menos quatro vezes por semana.
“Eu gosto porque acho que é mais gostoso e saudável. Eu consigo comer melhor do que comendo na rua”, opina Luana Figueiredo, 27, estudante de direito.
Usuárias do serviço do Espaço Esquentadinha há um ano, elas reclamam do alto custo dos restaurantes da região.
“No geral eu gasto aqui R$ 40 por mês. Fica bem mais barato que comer fora, porque uma refeição aqui na região não sai por menos de R$ 25 e nosso VR é só de R$ 15 por dia”, conta Gabriela Nogueira, 22 anos, advogada.
“O que acontecia era que, quando a gente comia fora todo dia, o VR acabava e tinha que complementar todo mês. Agora, dá para usar o que sobra para comprar um lanche no meio da tarde”, completa.
Por Patrícia Figueiredo
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